sábado, 21 de maio de 2011

Terror Branco

Tinham chegado na cidade pela manhã e ansiavam por conhecê-la. Passearam o dia inteiro, afastaram-se do centro e a noite já caía quando notaram uma movimentação tensa no vilarejo ao qual tinham chegado. As pessoas se entreolhavam e procuravam abrigo em suas casas, afoitas, assustadas.

Então, uma mulher os parou. Notou que eram de fora, e correu ao seu socorro. E lhes contou o que parecia ser uma lenda simplesmente inacreditável.

Em algumas noites de inverno, uma névoa fria cobria o vilarejo e trazia uma nevasca amaldiçoada. Quem estivesse nas ruas não sobreviveria. Por isso, quando a temperatura caía ao entardecer, todos no vilarejo procuravam a segurança de suas casas o mais rápido possível.

Eles esperaram a mulher ir embora e riram. Nossa, que povo mais caipira, disseram. Como alguém pode acreditar em maldição nos dias de hoje?

Tentaram continuar seu passeio, procurar algum lugar pra dormir, mas o burburinho nas ruas era grande, ao mesmo tempo em que vilarejo ia se fechando e escurecendo e, de certa forma, tornando-se assustador.

Notaram que as casas eram pequenas e frágeis construções em sua maioria e que as pessoas corriam apenas para as casas mais fortes. Notaram que a escuridão tomava as ruas e um frio quase insuportável chegava soprado pelo vento que vinha da floresta ao redor. Notaram que, por mais absurdo que fosse, talvez houvesse alguma verdade naquela lenda. E, aterrorizados, notaram que não tinham mais pra onde ir.

Paralizados no meio do vilarejo, numa escuridão gelada, sem conseguir enxergar ninguém por perto, procuraram por uma pista, algo que os guiasse até uma saída para aquela situação.

Avistaram, ali da praça principal, um velho casarão que parecia abandonado. As janelas estavam quebradas e parecia possível forçar a porta, abri-la, e talvez passar a noite ali. Mas a imagem do casarão era tão sinistra quando a perspectiva de morrer no meio de uma nevasca amaldiçoada. Enquanto observavam de longe, decidindo o que fazer, tiveram a impressão de ver vultos negros movendo-se através das janelas do casarão.

Sentindo-se completamente perdidos, estavam quase desistindo de tudo, rezando para que tudo aquilo não passasse de um sonho bizarro compartilhado por três amigos, quando um morador local os chamou. Ali perto, uma casinha pequena porém bem construída ainda tinha espaço para mais alguns.

Aceitaram o convite sem saber ao certo o que estavam fazendo. Na verdade, não sabiam nem exatamente onde estavam, já que tinham se afastado da cidade mais do que gostariam e o vilarejo simplesmente não aparecia em seu mapa. Agora poderiam considerar-se oficialmente perdidos.

Dentro da casa, as pessoas aglomeravam-se assustadas, rezando, olhando pelas janelas como quem espera uma tragédia inevitável. E então, uma névoa espessa, branca, cobriu o vilarejo.

Eles não podiam acreditar no que viam. Junto com a névoa um barulho ensurdecedor, como gritos e sussurros, lamentos e choro, gargalhadas e suspiros, tudo ao mesmo tempo, cobriu as ruas do vilarejo. Num instante, todas as janelas estavam fechadas e as pessoas seguravam as mãos umas das outras, orando fervorosamente em uma língua que eles desconheciam.

Após algum tempo que lhes pareceu uma eternidade, renderam-se ao medo e ao cansaço e, abraçados, fecharam os olhos e mergulharam na escuridão.

Despertaram aos primeiros raios de sol que atreveram-se a iluminar a casa pelas frestas das janelas. Todos pareciam despertar ao mesmo tempo. Sentiam-se tontos e não tinham certeza de onde estavam, e demorou algum tempo até que pudessem se localizar no tempo e no espaço.

Então, já de pé, as pessoas começaram a trocar abraços e agradecer por terem sobrevivido. O clima de êxtase tomava conta da pequena casa. A porta foi aberta.

Agradeceram ao dono da casa pela segurança proporcionada, ainda sentindo como se estivessem despertando de um pesadelo. Tudo aquilo parecia tão irreal quanto assutador. Decidiram sair e prosseguir a viagem, o mais rápido possível.

As ruas estavam cobertas por uma expessa camada de neve que começava a derreter. As pessoas corriam, revirando montes de entulho, gritando por nomes, comemorando ou chorando. Olharam em volta. Alguns dos animais que pastavam nos campos na noite anterior, os que não tiveram a sorte de ser recolhidos a tempo, jaziam mortos na neve. E entre eles, parcialmente abrigados por paredes, montes de feno, ou árvores, descobriram vários corpos humanos. Encolhidos em posição fetal, os olhos bem abertos e o rosto tomado por um terror que nunca haviam visto antes.