De repente se viu numa floresta escura. A mata era densa, fechada, e a noite já caía. O silêncio era cortado apenas pelo farfalhar das copas das árvores e os sons dos pássaros se ajeitando no ninho.
Poderia se sentir segura, finalmente sozinha. Mas sabia que continuava sendo seguida, embora tivesse perdido a noção dos passos apressados que antes pareciam tão próximos.
Olhou ao redor e não viu nada. Respirou fundo e começou a procurar algum esconderijo onde pudesse passar a noite. O vento frio soprou mais forte e as folhas se agitaram com mais intensidade. Foi então que pensou ter ouvido os passos novamente.
Ouvidos atentos e olhos arregalados, tentando pescar alguma informação no meio do silêncio e da escuridão. Sim, eram os passos. Sim, estavam próximos.
Sem saber o que fazer, começou a correr na direção contrária ao som. Passava por arbustos, pisava a terra, tropeçava em pedras, mas seguia correndo. Seus pés descalços já estavam feridos e os braços carregavam arranhões dos galhos das árvores. Mas o medo era mais forte que a dor, e ela continuou.
Os passos pareciam cada vez mais próximos, enquanto buscava desesperadamente por uma saída. Uma casa, uma estrada, alguém... Mas tudo o que havia além da mata era a lua cheia no céu.
Quanto mais se embrenhava pelo bosque, maior era sensação de que não estava sozinha. Os ruídos aumentavam e, por vezes, pareciam sussurros. A escuridão tomava conta de tudo, cobria como uma manta as árvores, o mato, a terra. Mas ela sentia que estava sendo observada.
Tateando por entre troncos, encontrou um espaço que parecia seguro. Já não ouvia os passos, embora outros sons a deixassem muito mais apavorada.
Sentou-se junto à cavidade de um enorme tronco e parou novamente para observar ao redor. No escuro, as árvores parecem ganhar vida. Com os relances do luar, seus troncos parecem corpos retorcidos e, às vezes, quase é possível ver rostos humanos em suas reentrâncias.
Observou atentamente aquela imagem horrorizante. Parecia estar no inferno, vendo almas desesperadas tentando livrar-se do fogo. Os sussurros continuavam e ela tinha a impressão de que eram lamentos. Quanto mais tentava se distrair, mais altos ficavam.
O som dos passos já não podia ser ouvido. Nem o farfalhar das folhas. Nem os pássaros se ajeitando em seus ninhos. Os troncos das árvores gritavam!
Assustada, pressionava o corpo contra sua árvore. Aquela que pareceu um abrigo. Aquela que ela escolheu como esconderijo.
Quanto mais pressionava o corpo contra a casca dura e áspera do caule, mais calor sentia. A pele ardia e parecia derreter. Tentou levantar, mas seu corpo estava pesado. Os movimentos eram lentos e ela se sentia sugada para dentro daquela cavidade.
Olhou para baixo e já não conseguia ver os próprios pés. Não podia distingui-los na escuridão. Parecia que só havia casca de árvore ali....
Gritou por socorro. No momento de desespero, desejou que o dono daqueles passos a encontrasse. Talvez ele fosse misecordioso o bastante para salvá-la. Mas não. Não havia mais ninguém.
Lembrou do início da noite e desejou que nunca tivesse escolhido fugir para o bosque. Qualquer coisa que ele lhe fizesse seria menos aterrorizante do que o pesadelo que estava vivendo.
Esticou o corpo o máximo que pode e tentou sair dali. Mas foi paralizando, perdendo os movimentos e a sensibilidade. Já não conseguia ver seu corpo, suas roupas, seus braços. Tudo parecia árvore. Apenas ávore. Até que seu rosto foi engolido por uma onda de calor intensa e dolorida.
A visão ficou turva e ela perdeu os sentidos. O calor diminuiu até finalmente se transformar em frio. Ela já podia sentir a brisa noturna novamente.
E, de repente, ali havia apenas uma árvore. Mais uma árvore entre tantas outras que, noite após noite, lamentariam sua dor em sussurros assustadores.
Acho que vc deve ter visto muito o vídeo As árveres somos nozes, né não?
ResponderExcluirGostei e vi 2 interpretações:
1) o nascimento de mais um pobre coitado q não vai passar de mais uma árvore no mundo;
2) as adaptações a q o ser humano, com suas individualidades, tem q se sujeitar acabam transformando-o em um produto do ambiente em q vive, perdendo sua essência.
Complexo!
Muito bom, dona Renata! Muito bom mesmo, dá pra ver um crescimento na sua narrativa.
ResponderExcluirEu poderia dizer mais, só que parece que o Perrone conseguiu falar melhor sobre o conto hehe