segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

No Estacionamento

Saíram do cinema tarde. Era a última sessão e o shopping já estava fechando. O estacionamento estava deserto. Poucos carros, ninguém por perto, silêncio. Ouviam apenas os próprios passos e o som de sua respiração.

Distraídos, andavam calmamente, tentando lembrar onde haviam deixado o carro. De repente, tiveram a impressão de ouvir um riso de criança. Bem baixinho, bem ao longe. Pararam, prestaram atenção. Nada. Silêncio outra vez.

Deve ter sido só impressão, pensaram. Talvez um ruído dentro do shopping, ou na rua, ou em outro andar do estacionamento. Ele a envolveu nos braços e a beijou. Ficaram ali por um momento, rendidos pela sensação de abandono. Estavam sozinhos no mundo, sem pressa. O universo era deles.

Olhos fechados, lábios selados num intenso beijo. Uma sensação estranha, um arrepio. Ambos abrem os olhos ao mesmo tempo, procurando quem passou por ali. Alguém passou correndo, eles sentiram! E, novamente, risos de criança.

Cadê meu carro, ele pergunta já sem muita paciência. Tenho certeza de que estacionei por aqui! Ela concorda, mas o carro não está lá. E eles ouvem os risos outra vez.

Agora mais próximos, mais altos. Mas eles não sabem de onde vêm. Parecem vir de todas as direções, ecoar pelas paredes de concreto, cercá-los num furacão de gargalhadinhas sinistras.

Já não conseguem mais lembrar de onde vinham. Esse estacionamento era assim tão grande??? Ela sugere voltar ao shopping, ele mostra que já não há entradas visíveis. Parecem estar longe, muito longe de tudo.

As luzes estão falhando? Parece que está ficando escuro... e frio. E os risos aumentam e se aproximam. E agora eles não veem nem carros. Tudo está completamente deserto.

Estão abraçados, ele tentando protegê-la nos braços. Ela treme de medo, a respiração ofegante. Não pode ser! Isso parece um pesadelo, uma merda de um pesadelo! Isso não está acontecendo!

Passos. Eles ouvem passos. Finalmente alguém vai aparecer e tudo vai voltar ao normal! São passinhos leves e hesitantes. Eles olham na direção do som, ansiosos.

Tem uma parede. De trás da parede, vem rolando pelo chão uma bola. Devagar, a bola vermelha desliza pelo chão enquanto todo o ruído cessa e os passos simplesmente param.

Eles também param. Imóveis, assistem à cena como se já não estivessem ali. Completamente confusos, petrificados pelo medo.

Ela fecha os olhos, ele diz precisamos sair daqui. Ela não consegue se mover, ele diz vamos!

Os passinhos leves agora estão correndo e, de trás da parede, surge um menino. Ele corre pra pegar a bola, mas para no caminho e olha pra eles.

É um menino bem jovem, deve ter uns cinco ou seis anos. É branco, pele bem clara e tem cabelos curtos e loiros, ao que parece. Sua imagem não está muito clara, eles precisam forçar a visão para enxergá-lo. Ele levanta a cabeça e olha na direção deles. Seus olhos são completamente negros.

Nos segundos que se passam, eles reconhecem a famosa vítima de um trágico acidente no estacionamento do shopping, alguns anos antes. O menino que foi atropelado ao atravessar correndo para pegar sua bola. Leram sobre o caso e viram fotos no jornal. O culpado conseguiu fugir sem prestar socorro e a criança morreu ali, em meio a muito sofrimento.

Enquanto tudo se esclarece, a luz vai sumindo, o ar parece acabar e eles sentem uma pressão muito forte a sua volta. Isso é loucura, ele grita.

O menino olha fixamente para eles e o som dos risos volta forte e alto, vindo de todas as direções.

Ai, meu Deus! Ela chora e reza ao mesmo tempo, enquanto ele diz merda, que merda é essa, mas também começa a chorar. Ele a aperta nos braços.

Tudo fica escuro, muito escuro. Eles têm a sensação de estarem sendo sugados para outra dimensão. Dor e medo. E escuridão. Um último grito dela e então nada.

Enquanto isso, os outros clientes da última sessão de cinema circulam pelo estacionamento. Param pra conversar, os que vieram em grupo se despedem, cada um pega o seu carro e segue em frente. Ninguém sequer imagina o que está acontecendo ali. A noite segue seu rumo e um carro fica abandonado na vaga bem em frente à saída do shopping. Seus donos jamais foram encontrados.

2 comentários:

  1. Não sabia que vc escrevia. No momento que postou esse conto e comentou no face, eu estava vendo um filme de pânico no metrô, na Globo. Com minha mente já cansada do dia de trabalho, confesso que foi bombástico, minha cabeça deu um nó. Hahaha
    Parabéns pelo Blog.
    Andrea Walmrath

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    1. Sim, Andrea, eu adoro escrever, embora não o faça com tanta frequência. Contos de terror são meus prediletos. Dá uma olhada aí com calma depois. E obrigada pelo bombástico! :)

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