sábado, 25 de janeiro de 2014

A Foto

Era apaixonada por fotos antigas. Os tons de sépia, as bordas amareladas, as marcas do tempo. As roupas, penteados, posturas. As expressões tão diferentes das que via nas fotos recentes.

Colecionava fotos de gerações passadas da própria família e das famílias dos amigos, que gentilmente as cediam. E garimpava em feiras de antiguidade e mercados de pulgas pelo mundo, sempre à procura de imagens diferentes, intrigantes, inusitadas.

Tinha fotos de família, de animais de estimação, de crianças em poses para o álbum da escola. De reuniões de amigos na beira da piscina, de formaturas e casamentos. Mas, quanto mais estranha fosse a foto, mais a interessava.

Como também adorava viajar, conseguia fotos de outros países, outras culturas, e sempre procurava por lugares onde pudesse comprá-las, independente de onde estivesse. Então, um dia, passeando por um mercado de pulgas em Nova Orleans, encontrou uma barraquinha que chamou sua atenção.

Um sujeito negro, de olhos brancos, leitosos, aparentemente cego, era o dono. Tinha uma barba bem branquinha e usava um chapéu engraçado. Apesar do ar sinistro, parecia uma boa pessoa. Algo nele dava uma sensação de confiança.

Vendia artigos que pareciam ser para rituais de vodu, quinquilharias que passavam por antiguidades e fotos, muitas fotos. E ela se encantou. Correu na direção da barraca e começou a procurar algo interessante nas fotos.

Entre as tradicionais fotos de família e outras formalidades, encontrou algo que a atraiu instantaneamente: era a foto de um grupo, com um homem em destaque no meio. Estavam numa espécie de bosque, mas o cenário não era muito distinto. Uma névoa parecia cobrir as árvores ao fundo. Por si só, isso já seria bastante estranho... Só que o grupo era extremamente heterogêneo! Todos estavam com roupas de dormir, mas pareciam saído de épocas e países diferentes.

Pegou a foto e examinou. Era legítima, não tinha indícios de fraude ou manipulação digital e era uma foto antiga, com certeza!

Ao perguntar o preço, o dono da barraca disse que essa foto era brinde. Ela pagaria pelas outras que tinha escolhido, mas esta seria um presente, já que a fascinara tanto. Ela agradeceu, pagou as compras e seguiu para o hotel.

Ainda passou mais dois dias em Nova Orleans antes de voltar pra casa. A foto ficou guardada junto com as outras aquisições da viagem durante esse tempo.

De volta ao Brasil, desfazendo as malas, reencontrou a foto. E novamente ficou fascinada, como se a visse pela primeira vez. Ficou ali parada, olhando para ela, por alguns minutos. Então retomou o trabalho de desfazer as malas.

Mais tarde, pegou novamente a foto. Pretendia analisar friamente a possibilidade de ser uma fraude, procurar indícios, mas não conseguiu. Seus olhos eram sempre atraídos para o homem no centro da imagem. Negro, alto, magro. Um olhar perdido, mas uma postura totalmente dominante. Era como se todo aquele grupo – ela contou vinte e três pessoas – estivesse ali sob seu comando.

Dormiu com a foto ao lado da cama.

Acordou sentindo-se muito cansada no dia seguinte, mas afinal tinha encarado horas de viagem na véspera. Ficou em casa o dia todo, lavando as roupas usadas, arrumando as coisas que tinha comprado, embrulhando os presentes que trouxe para os amigos. Mas, volta e meia, pegava a foto e se perdia no tempo olhando para ela.

Novamente adormeceu com a foto ao lado da cama. Novamente acordou sentindo-se cansada. E o dia transcorreu como o anterior.

No terceiro dia, já não tinha mais nada para arrumar. Mas o cansaço beirava o esgotamento e então ela ficou em casa. A foto sempre por perto, a fascinação crescendo cada vez mais.

No quarto dia, o esgotamento era mental também. Estava tonta e sonolenta. Imaginou que pudesse estar gripada ou até com alguma doença mais séria, mas não conseguiu forças para ir até o hospital.

Teve a sensação de que estava se desintegrando e, com isso, achou que realmente estava doente... da cabeça! Talvez estivesse viajando muito, enfrentando muitas mudanças de fuso horário em curtos espaços de tempo. Precisava descansar.

Tomou um banho bem demorado e deixou a água correr pelos longos cabelos castanhos. Vestiu uma camisola de ursinhos, sua preferida, a mais confortável que tinha. Por algum motivo, checou o crucifixo que usava no peito. Ele estava lá.

Deitou na cama e pegou a foto. Seus olhos focaram no homem. Pela primeira vez, conseguiu distinguir claramente os olhos dele. Brancos. Leitosos. Aparentemente cegos.

No dia seguinte, ela não acordou. Não estava no apartamento, nem em nenhum outro lugar. Uma semana se passou até que os amigos resolvessem por fim chamar a polícia e entrar em sua casa. Tudo estava como ela havia deixado. Mas não havia ninguém. E a foto não estava na cama.

Meses depois, ele chegava a Nova Orleans. Tinha uma verdadeira paixão por fotos antigas. E rodava o mundo atrás de feiras de antiguidades e mercados de pulgas que as vendessem.

Então, numa feira, uma barraca o encantou. Um homem negro, alto, com uma barba branca a comandava. Seus olhos eram estranhos, pareciam cegos. Usava um chapéu de bruxo? Parecia ser. Apesar de tudo, era bem simpático e ele se sentiu confortável ali, conversando com o homem.

Os artigos variavam entre porcelanas antigas, velas, ervas e fotos. Fotos antigas! Logo foi atraído por uma foto em particular. Um grupo de vinte e quatro pessoas posava com um homem ao centro, em frente ao que parecia ser uma floresta. Uma névoa parecia envolver o grupo, que era bem inusitado. Apesar da foto aparentemente ser bem antiga, as pessoas estavam todas usando roupas de dormir e pareciam saídas de países e tempos diferentes.

Bem à frente, estava uma moça que ele poderia ter encontrado na rua, ali, agora. Seus cabelos eram longos cabelos e escuros, e vestia uma camisola curta estampada com o que pareciam ser ursinhos. No peito, algo que parecia ser um crucifixo refletia um pouco de luz. Ela definitivamente não tinha a mesma idade da foto.

Tentou analisar com calma, mas seus olhos voltaram para o homem no centro da foto e fixaram-se ali.

Encantado, ele levou a foto. Ganhou como um brinde, do simpático dono da barraca.

Um comentário: