Colecionava fotos de gerações passadas da própria família e
das famílias dos amigos, que gentilmente as cediam. E garimpava em feiras de
antiguidade e mercados de pulgas pelo mundo, sempre à procura de imagens
diferentes, intrigantes, inusitadas.
Tinha fotos de família, de animais de estimação, de crianças
em poses para o álbum da escola. De reuniões de amigos na beira da piscina, de
formaturas e casamentos. Mas, quanto mais estranha fosse a foto, mais a
interessava.
Como também adorava viajar, conseguia fotos de outros
países, outras culturas, e sempre procurava por lugares onde pudesse
comprá-las, independente de onde estivesse. Então, um dia, passeando por um
mercado de pulgas em Nova Orleans, encontrou uma barraquinha que chamou sua
atenção.
Um sujeito negro, de olhos brancos, leitosos, aparentemente
cego, era o dono. Tinha uma barba bem branquinha e usava um chapéu engraçado. Apesar
do ar sinistro, parecia uma boa pessoa. Algo nele dava uma sensação de
confiança.
Vendia artigos que pareciam ser para rituais de vodu,
quinquilharias que passavam por antiguidades e fotos, muitas fotos. E ela se
encantou. Correu na direção da barraca e começou a procurar algo interessante
nas fotos.
Entre as tradicionais fotos de família e outras
formalidades, encontrou algo que a atraiu instantaneamente: era a foto de um
grupo, com um homem em destaque no meio. Estavam numa espécie de bosque, mas o
cenário não era muito distinto. Uma névoa parecia cobrir as árvores ao fundo.
Por si só, isso já seria bastante estranho... Só que o grupo era extremamente
heterogêneo! Todos estavam com roupas de dormir, mas pareciam saído de épocas e
países diferentes.
Pegou a foto e examinou. Era legítima, não tinha indícios de
fraude ou manipulação digital e era uma foto antiga, com certeza!
Ao perguntar o preço, o dono da barraca disse que essa foto era
brinde. Ela pagaria pelas outras que tinha escolhido, mas esta seria um
presente, já que a fascinara tanto. Ela agradeceu, pagou as compras e seguiu
para o hotel.
Ainda passou mais dois dias em Nova Orleans antes de voltar
pra casa. A foto ficou guardada junto com as outras aquisições da viagem
durante esse tempo.
De volta ao Brasil, desfazendo as malas, reencontrou a foto.
E novamente ficou fascinada, como se a visse pela primeira vez. Ficou ali
parada, olhando para ela, por alguns minutos. Então retomou o trabalho de
desfazer as malas.
Mais tarde, pegou novamente a foto. Pretendia analisar
friamente a possibilidade de ser uma fraude, procurar indícios, mas não
conseguiu. Seus olhos eram sempre atraídos para o homem no centro da imagem.
Negro, alto, magro. Um olhar perdido, mas uma postura totalmente dominante. Era
como se todo aquele grupo – ela contou vinte e três pessoas – estivesse ali sob
seu comando.
Dormiu com a foto ao lado da cama.
Acordou sentindo-se muito cansada no dia seguinte, mas afinal
tinha encarado horas de viagem na véspera. Ficou em casa o dia todo, lavando as
roupas usadas, arrumando as coisas que tinha comprado, embrulhando os presentes
que trouxe para os amigos. Mas, volta e meia, pegava a foto e se perdia no
tempo olhando para ela.
Novamente adormeceu com a foto ao lado da cama. Novamente
acordou sentindo-se cansada. E o dia transcorreu como o anterior.
No terceiro dia, já não tinha mais nada para arrumar. Mas o
cansaço beirava o esgotamento e então ela ficou em casa. A foto sempre por
perto, a fascinação crescendo cada vez mais.
No quarto dia, o esgotamento era mental também. Estava tonta
e sonolenta. Imaginou que pudesse estar gripada ou até com alguma doença mais
séria, mas não conseguiu forças para ir até o hospital.
Teve a sensação de que estava se desintegrando e, com isso,
achou que realmente estava doente... da cabeça! Talvez estivesse viajando
muito, enfrentando muitas mudanças de fuso horário em curtos espaços de tempo.
Precisava descansar.
Tomou um banho bem demorado e deixou a água correr pelos
longos cabelos castanhos. Vestiu uma camisola de ursinhos, sua preferida, a
mais confortável que tinha. Por algum motivo, checou o crucifixo que usava no
peito. Ele estava lá.
Deitou na cama e pegou a foto. Seus olhos focaram no homem.
Pela primeira vez, conseguiu distinguir claramente os olhos dele. Brancos.
Leitosos. Aparentemente cegos.
No dia seguinte, ela não acordou. Não estava no apartamento,
nem em nenhum outro lugar. Uma semana se passou até que os amigos resolvessem
por fim chamar a polícia e entrar em sua casa. Tudo estava como ela havia
deixado. Mas não havia ninguém. E a foto não estava na cama.
Meses depois, ele chegava a Nova Orleans. Tinha uma
verdadeira paixão por fotos antigas. E rodava o mundo atrás de feiras de
antiguidades e mercados de pulgas que as vendessem.
Então, numa feira, uma barraca o encantou. Um homem negro,
alto, com uma barba branca a comandava. Seus olhos eram estranhos, pareciam
cegos. Usava um chapéu de bruxo? Parecia ser. Apesar de tudo, era bem simpático
e ele se sentiu confortável ali, conversando com o homem.
Os artigos variavam entre porcelanas antigas, velas, ervas e
fotos. Fotos antigas! Logo foi atraído por uma foto em particular. Um grupo de
vinte e quatro pessoas posava com um homem ao centro, em frente ao que parecia
ser uma floresta. Uma névoa parecia envolver o grupo, que era bem inusitado.
Apesar da foto aparentemente ser bem antiga, as pessoas estavam todas usando
roupas de dormir e pareciam saídas de países e tempos diferentes.
Bem à frente, estava uma moça que ele poderia ter encontrado
na rua, ali, agora. Seus cabelos eram longos cabelos e escuros, e vestia uma
camisola curta estampada com o que pareciam ser ursinhos. No peito, algo que
parecia ser um crucifixo refletia um pouco de luz. Ela definitivamente não
tinha a mesma idade da foto.
Tentou analisar com calma, mas seus olhos voltaram para o
homem no centro da foto e fixaram-se ali.
Encantado, ele levou a foto. Ganhou como um brinde, do
simpático dono da barraca.
Assustador...Que medo!
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