domingo, 29 de julho de 2012

O Velho


A noite estava fria e escura. Estava deitado no sofá, enrolado no edredom, assistindo televisão. Apesar do frio, aquela noite lhe parecia agradável.

Então, a campainha tocou. Ficou aborrecido por alguém estragar o seu sossego, sua noite perfeita, relaxante, depois de um longo dia de trabalho. Pensou em não atender, mas a pessoa insistiu. Resolveu ver quem era.

Olhou pela janela e, lá embaixo, em frente ao seu portão, estava um senhor de idade. O velhinho parecia pobre, suas roupas estavam rasgadas e ele tremia de frio. Sentiu-se culpado e resolveu descer.

Quando abriu o portão, sentiu pena do velho. Ele parecia realmente frágil e faminto. Numa voz que mal se podia ouvir, perguntou se ele poderia lhe oferecer algo para comer. Disse que não tinha onde dormir, não tinha agasalhos e estava faminto.

Nunca foi um sujeito muito caridoso, mas algo no olhar daquele velhinho tocou seu coração. Lembrou que sua empregada tinha preparado uma sopa de ervilhas e que tinha sobrado um pouco. Achou que não teria problema se o velho se acomodasse na varanda e ele lhe servisse um prato de sopa.

Ao ouvir a oferta, o mendigo pareceu incrédulo. Disse que não precisava entrar na casa, que bastava a sopa, ele encontraria abrigo em algum lugar. A simplicidade e humildade daquelas palavras tocaram seu coração e ele insistiu para que o velho entrasse e se acomodasse numa das poltronas da varanda.

Subiu, esquentou a sopa, serviu numa bandeja com um pedaço de pão, pegou um edredom velho e levou tudo para o seu “hóspede”. O velhinho ficou muito feliz e grato, se enrolou no edredom e começou a tomar a sopa com muito prazer, como se aquilo fosse um banquete. Tocado pela cena, ele se sentou na cadeira ao lado e começou a conversar, querendo conhecer a história daquela pessoa que, de alguma maneira, conseguiu despertar seu senso de caridade.

Conversaram durante um bom tempo. O velho terminou a sopa, o pão, bebeu água. Parecia realmente inofensivo, e ele resolveu oferecer o abrigo da varanda para que seu hóspede passasse a noite. Poderia dormir num confortável sofá de futon, ficaria abrigado do frio e da chuva, e estaria em segurança. Pela manhã, poderia tomar um café e então seguir sua vida.

O velhinho ficou muito agradecido. Lágrimas brotavam de seus olhos, enquanto ele repetia bênçãos ao seu “salvador”. Foi até o sofá, mancando, e se deitou bem devagarinho, tentando se cobrir com o edredom. Diante da dificuldade do velho, ele resolveu ajudá-lo a se cobrir. E, num gesto completamente surpreendente, até para si mesmo, abaixou para beijar sua testa.

Então, o velho passou os braços em volta do seu pescoço e o abraçou apertado. Surpreso, ele retribuiu o abraço, até sentir uma ardência no pescoço. Então, já era tarde demais... as presas já estavam cravadas na sua jugular e tudo era escuridão.

Ali, naquela noite fria e escura, o corpo do velho secou como a folha que cai de uma árvore no outono, enquanto o homem que o acolheu renascia como jamais pensou ser possível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário