A noite estava fria e escura. Estava deitado no sofá,
enrolado no edredom, assistindo televisão. Apesar do frio, aquela noite lhe
parecia agradável.
Então, a campainha tocou. Ficou aborrecido por alguém
estragar o seu sossego, sua noite perfeita, relaxante, depois de um longo dia
de trabalho. Pensou em não atender, mas a pessoa insistiu. Resolveu ver quem
era.
Olhou pela janela e, lá embaixo, em frente ao seu portão,
estava um senhor de idade. O velhinho parecia pobre, suas roupas estavam
rasgadas e ele tremia de frio. Sentiu-se culpado e resolveu descer.
Quando abriu o portão, sentiu pena do velho. Ele parecia
realmente frágil e faminto. Numa voz que mal se podia ouvir, perguntou se ele
poderia lhe oferecer algo para comer. Disse que não tinha onde dormir, não
tinha agasalhos e estava faminto.
Nunca foi um sujeito muito caridoso, mas algo no olhar
daquele velhinho tocou seu coração. Lembrou que sua empregada tinha preparado
uma sopa de ervilhas e que tinha sobrado um pouco. Achou que não teria problema
se o velho se acomodasse na varanda e ele lhe servisse um prato de sopa.
Ao ouvir a oferta, o mendigo pareceu incrédulo. Disse que
não precisava entrar na casa, que bastava a sopa, ele encontraria abrigo em
algum lugar. A simplicidade e humildade daquelas palavras tocaram seu coração e
ele insistiu para que o velho entrasse e se acomodasse numa das poltronas da
varanda.
Subiu, esquentou a sopa, serviu numa bandeja com um pedaço
de pão, pegou um edredom velho e levou tudo para o seu “hóspede”. O velhinho
ficou muito feliz e grato, se enrolou no edredom e começou a tomar a sopa com
muito prazer, como se aquilo fosse um banquete. Tocado pela cena, ele se sentou
na cadeira ao lado e começou a conversar, querendo conhecer a história daquela
pessoa que, de alguma maneira, conseguiu despertar seu senso de caridade.
Conversaram durante um bom tempo. O velho terminou a sopa, o
pão, bebeu água. Parecia realmente inofensivo, e ele resolveu oferecer o abrigo
da varanda para que seu hóspede passasse a noite. Poderia dormir num
confortável sofá de futon, ficaria abrigado do frio e da chuva, e estaria em
segurança. Pela manhã, poderia tomar um café e então seguir sua vida.
O velhinho ficou muito agradecido. Lágrimas brotavam de seus
olhos, enquanto ele repetia bênçãos ao seu “salvador”. Foi até o sofá,
mancando, e se deitou bem devagarinho, tentando se cobrir com o edredom. Diante
da dificuldade do velho, ele resolveu ajudá-lo a se cobrir. E, num gesto
completamente surpreendente, até para si mesmo, abaixou para beijar sua testa.
Então, o velho passou os braços em volta do seu pescoço e o
abraçou apertado. Surpreso, ele retribuiu o abraço, até sentir uma ardência no
pescoço. Então, já era tarde demais... as presas já estavam cravadas na sua
jugular e tudo era escuridão.
Ali, naquela noite fria e escura, o corpo do velho secou
como a folha que cai de uma árvore no outono, enquanto o homem que o acolheu
renascia como jamais pensou ser possível.
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